Público



Produtos do “velho Portugal” enchem novas lojas na Ribeira

Nos últimos anos, a cidade viu nascer lojas que fazem da “marca Portugal” um trunfo: no artesanato ou nos produtos de uso quotidiano

A montra da Mercearia de S. Bento não passa despercebida a muitos dos que passam pela Rua das Flores, no Porto. As sombrinhas de chocolate Avianense e as bolachas Paupério lembram tempos em que produtos como estes faziam parte do dia-a-dia de muitos portugueses, hoje com idades entre os 40 e os 60 anos. Para Rosa Dias, que ficou desempregada em Julho, estes e outros produtos revelaram-se uma oportunidade de negócio.
Rosa montou a loja em pouco mais de um mês. Nos 15 metros quadrados da mercearia, inaugurada em Setembro, convivem produtos alimentares de empresas familiares com tradição em Portugal, chocolates com flores, brinquedos artesanais, almotolias de azeite pintadas à mão, compotas, biscoitos e vinhos. Ou seja: tradição e alguns produtos ditos gourmet.
A receita, com algumas variações, alarga-se a outras lojas que surgiram nos últimos anos no Porto, sobretudo na Ribeira. O crescimento do turismo na cidade ajudou. “Era importante ter uma loja em que o turista pudesse levar um bocadinho de Portugal – nas sardinhas, no vinho”, diz Rosa Dias, que estima que metade dos clientes sejam turistas. Mas já há clientes fixos, como é costume numa mercearia.
Os estrangeiros ficam encantados por coisas como as latas de 200 mililitros de Azeite Saloio, “apelativas e muito portuguesas” (as cores lembram a bandeira nacional, há um campino desenhado). Já a maior parte dos portugueses entra na loja por causa do “apelo à memória”.
A poucos minutos a pé, na Rua Sousa Viterbo, a Porto Paixão também faz da “marca Portugal” a sua força. Mas reduz o âmbito geográfico ao Porto e ao Norte do país. “Podia ser uma montra turística”, diz Carla Miranda, uma das sócias da loja, a sua estreia enquanto comerciante.
Nas prateleiras, detectam-se produtos que a Mercearia de S. Bento também vende, mas também biscoitos de Vinho do Porto da Casa de Juste, Caretos de Podence, artesanato, fotografias, postais e livros sobre o Porto. A pesquisa dos produtos levou dois anos, mas a Porto Paixão também estimula a criação de novos objectos. É o caso de placas em metal da Ramos Pinto, que a empresa de bebidas alcoólicas começou a fabricar a convite da loja.
Carla e os outros sócios criaram o espaço seguindo os seus próprios gostos pessoais. “A ideia foi minha e do meu marido. Era um projecto caseiro. Pensámos: ‘Gostamos tanto disto [destes produtos]. Porque é que não fazemos uma loja?” Em Setembro do ano passado, abriram a Porto Paixão, que é uma loja, mas não só: “Para muita gente, é um museu. Há quem venha só mostrar aos amigos e aos emigrantes que vêm cá no Verão.”

Objectos contemporâneos
Desce-se até à beira-rio e, na Rua Nova da Alfândega, surge uma loja cuidadosamente desenhada. A Corações Habitados, aberta em Agosto de 2008, tem um conceito muito definido: fazer “coabitar o tradicional com o contemporâneo”. Para além disso, uma regra apenas: “É tudo português”, diz a proprietária, Isabel Dores, que sentiu que faltava à Ribeira oferta de produtos artesanais e decorativos mais contemporâneos. Lenços dos namorados, Caretos de Lazarim e uma alminha de Mistério convivem com azulejos do projecto Ratton, que cruza azulejaria com artes plásticas, e joalharia de autor de Liliana Guerreiro. Todos eles são, no fim de contas, “objectos portugueses contemporâneos”, o slogan da loja.
A ideia surgiu na cabeça de Isabel depois de uma viagem por vários pontos do país em que contactou artesãos locais. Antes de abrir a Corações Habitados, desenhava peças em estanho e prata. “Estava cansada das linhas puras do design industrial”, confessa.
O percurso de Isabel Dores explica parte deste fenómeno. Nos anos 1990, dizem os responsáveis pelas lojas, privilegiou-se o design mais frio. Já nesta década, assistiu-se a uma valorização da “marca Portugal”, nos produtos de uso quotidiano e no artesanato.
Esta tendência, mas sobretudo o crescimento do fluxo turístico nos últimos anos, sustenta também um negócio como a Portosigns, aberta em Dezembro de 2006. A loja da Rua da Alfândega vive sobretudo dos turistas. E também só vende produtos portugueses, “sempre com a ideia do tradicional transposto para a realidade actual”, diz a proprietária, Elvira Basílio.
Para além dos produtos típicos, há objectos próprios, como T-shirts e canecas com fotografias do Porto, gravatas e chapéus de cortiça. A Portosigns distingue-se também por organizar exposições. Em Dezembro, vai mostrar brinquedos tradicionais portugueses, com chapa e madeira – objectos de um tempo em que coisas destas não eram vistas como um perigo para as crianças.

[Texto de Pedro Rios]
nov. 2009